Soteriologia do impessoal

Nov 29 2022
Seremos salvos até ficarmos desatualizados. Enquanto isso, seremos incompetentes, entorpecidos e viciados no abraço frio de nossos ídolos - educação, medicina, finanças, fazendas industriais, estúdios, tecnologia, think tanks e terapeutas.

Seremos salvos até ficarmos desatualizados. Enquanto isso, seremos incompetentes, entorpecidos e viciados no abraço frio de nossos ídolos - educação, medicina, finanças, fazendas industriais, estúdios, tecnologia, think tanks e terapeutas. Como é isso para uma metanarrativa?

Você e eu somos a matéria-prima das instituições, o rabo vindo abanar o cachorro. O grande monopólio fabrica nossos apetites, depois fabrica as satisfações evanescentes desses apetites, que flutuam e estouram como uma máquina de bolhas. Produzimos até não podermos mais, então nos tornamos como florestas ou minas – loci de extração, nossa fase final “vivida” em algum quarto infernal fluorescente, em um travesseiro ruim, presos a máquinas de extração de dinheiro, nossas almas eletrocutadas e exibidos em monitores cardíacos e de oxigênio. No final, podemos ser colhidos para órgãos. Reciclando.

Considere-se gerenciado. Chame isso de progresso.

O que eu era? Fui educado, leal à marca, politicamente ativo, participativo, obedientemente dependente. Comia, cagava, dormia, trabalhava, falava, ouvia, cantava, dançava, masturbava-me e deixava-me distrair. . . dentro do grande monopólio. Fora dele, eu (e você) já estamos desatualizados, já anacronismos. Siga em frente.

Acima de tudo, nos apressamos. Mantenha-se ocupado, fique muito ocupado. O melhor é o mais rápido. A vida logística é vivida no relógio, uma tarefa de tempo, um pânico permanente - o sistema circulatório para a afrodisia desencarnada do monopólio maquínico - uma ilusão sustentada por um sacerdócio gerencial. Em comunhão constante, nos tornamos um com a ilusão, os personagens efêmeros em uma vasta alucinação eletrônica. Salvos de nossa obsolescência carnal, nos tornamos filhos dos novos deuses, nascidos da crise — velocidade e novidade — até que não conseguimos acompanhar e estamos prontos para a reciclagem.

Paciência, moderação, modéstia, humildade, reflexão – até o sofrimento, especialmente o sofrimento – tornaram-se nossas insurreições finais – as últimas heresias diante desse desequilíbrio totalitário. Como ousamos sofrer. . . e espere! Como ousamos não responder à crise! Como ousamos não ser salvos pela eficiência e rapidez!